domingo, 15 de abril de 2012

NUM OLHA, PORQUE É SACI!




Foi durante uma caçada que um fato inusitado chamou a atenção dos dois compadres. Estavam passando numa capoeira, quando um redemoinho surgiu do nada levantando poeira e as folhas secas em volta. Compadre Gildo, na ânsia de comprovar um causo que a sua mãe lhe dizia sempre na infância, virou para o compadre Justino e disse:
- Cumpadi Justo, minha mãe me ensinou que quando um rodemoin aparece ansim do nada, que isso é coisa do saci! E se a gente oiá por debaixo das perna, a gente vê o lazarento – eu vou oiá!
- Nossinhora cumpadi Girdo! Num faiz uma miséria dessa não home di Deus! Prestenção num causo que aconteceu comigo há muito tempo.
Compadre Justino, ainda meio assombrado com a visão do redemoinho, respira bem fundo e começa a falar o ocorrido:
- Foi ansim cumpadi Girdo: certo dia eu tava seguino um Carrero de tatu numa capoeira iguar a essa... me acompanhava somente o meu cão Três Zói... De repente, do nada, surge um redemoinho... Três Zói some e me deixa sozinho.
- E o cumpadi num ficô cum medo não?
- Que nada cumpadi Girdo! Da mesma forma que o sinhô, eu também havia escutado a minha mãe falá que se o caboclo oiasse por debaixo das pernas, ia dá de cara com o saci. Eu tava era querendo matá a minha curiosidade sô!
- E o sinhô oiou?
- Uai, mas é claro cumpadi!
- E o que aconteceu adispois sô?
- Prestenção (com os olhos esbugalhados mirando para o infinito, compadre Justino continua a narrativa): ansim que o redemoinho se aprochegou de mim, eu me virei de costas pra ele e, em seguida, oiei o troço por debaixo das perna.
- E ai cumpadi, fala logo o que aconteceu?!
- Carma cumpadi, que eu já chego lá sô! – Num deu nem tempo deu vê nada, pruque recebi um baita dum pontapé no traseiro!
- E quem te chutou cumpadi Justo?
- E num foi o lazarento do saci?
- E foi é?
- Pois é cumpadi. Ansim que eu recebi aquele pontapé me virei rápido pra vê quem tinha feito aquela desfeita comigo e foi ai que eu me deparei com o danadim!
- E ai cumpadi, fala logo!
- Ai eu pensei cá com os meus juízo: “vou descontar essa desfeita, isso num vai ficá ansim, ah, num vai não!”
- E o que o sinhô feiz?
- Comecei a prosear cum o mardito!
Compadre Gildo já não agüentava de tanta ansiedade. Querendo saber como aquele causo iria terminar ele perguntou ao Justino:
- E qual foi o rumo da prosa?
- Eu, pra mor di ganhar tempo, arresorvi preguntá pra ele o porquê dele ter me chutado a bunda. Ele me arrespondeu que era para mor di eu deixá di ser inxirido!
- Vai veno... Mas cumpadi, questionou compadre Gildo, pruquê o sinhô queria ganhar tempo com o neguim perneta?
- Ara cumpadi, era pra mor di dá uma lição nele uai!
- E qual era o plano do sinhô?
- Era o seguinte: minha mãe havia me ensinado que o saci, antes de sair para fazer travessuras, abastece o seu cachimbo o suficiente para realizar suas malinações, pruque adispois que o fumo acaba, também acaba o seu poder, entendeu?
- Hummm! – Sei... mas e daí, o que o sinhô feiz?
- Eu fiquei esticando o papo ali. Pedi discurpa pra ele pelo meu inxirimento; falei que a caça tava dificir... até que eu apercebi que o fumo do danado tinha acabado.
 - E ai, o que aconteceu?
- Vai veno cumpadi – ele que num é bobo nem nada, já tava se preparano pra ir pro além; ai eu coloquei meu plano pra funcioná.
- E o que o cumpadi tramou contra o mardito?
- Ele falou que ia imbora pruquê havia acabado o seu fumo. Ai eu ofereci o meu fumo que eu trazia na argibera já cortadim, pronto pra pitá.
- E ele aceitô sua oferta?
- Mas não! Craro! O mardito adora tirá vantage em tudo, parece inté político!
- Continua, continua cumpadi Justo!
- Ai eu nem deixei o mardito pensá muito. Peguei o cachimbo dele e, nesse momento, passava uma comitiva lá na baixada. Eu dei um grito bem forte: “Diga ai coroné Gresmelino!” – e lá de longe, o coroné acenô com o braço pra mim.
- E o coroné viu o saci que tava do seu lado cumpadi?
- Craro que não! O danado só se mostra pra quem ele qué uai! – Mas continuano: - ai eu aproveitei que o danado se distraiu com a comitiva, intonce eu peguei rapidamente um pouquim de porva e atuchei no fundo do cachimbo do lazarento! E enchi o restante com meu fumo.
- Sério cumpadi?!
- Sério uai!
- E adispois, o que aconteceu?
- Ai o mardito encostou o dedo no fumo e acendeu o pito. Deu uma baforadas e me agradeceu pelo fumo. Inté me elogiou pela qualidade do tabaco, credita?
- Credito, cumpadi, mas e ai?
- Ai que adispois de um minuto, foi cachimbo e saci para os ares!
- Ele sumiu cumpadi Justo?
- Sumiu cumpadi Girdo, escafedeu-se! – E eu continuei minha caçada. Naquele dia eu ainda consegui caçá um peba de uns sete quilos!
- Mas é cumpadi?!
- E num foi!
- É por isso que eu falo cumpadi, num olha pra redemoinho não viu... Ih,olha lá, vem um ali ó!
 - Vamo cumadi Justo!
- Vamo cumpadi Girdo!

Pois é, essa é apenas uma das muitas lendas que ouvi na infância. Eu nunca tive coragem de tirar a prova dos nove. E você, caro leitor(a), já teve?

ISAÍAS GRESMÉS, 15/04/2012



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