quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

POETAS MORTOS*


POETAS MORTOS*

Certo dia, ao chegar em casa após uma rotina extenuante de trabalho, Dr. João Kukaboa, respeitado psicólogo, pressente algo de errado em sua residência. Notou que o vidro da porta estava quebrado e que a mesma estava entreaberta. Ficou tomado por um calafrio, mas decidiu verificar o que havia acontecido. Ao adentrar a casa, escutou a esposa lá no quarto, o que o deixou aliviado, mas o medo logo tomou conta de si quando viu um vulto no banheiro. Dirigiu-se a passos largos até lá. Foi quando foi surpreendido por um dos seus pacientes.
- O senhor me disse que os meus sonetos eram ótimos!
- Calma Sem-as-mões! Vamos conversar!
- Conversar que nada! – Grita o sonetista infeliz – e saca de uma arma, apontando-a para o corpo do psicólogo.
- Abaixa esta arma, vamos conversar! – Respira fundo, acalme-se!
- Acalmar uma porra! – Você me disse que meus sonetos eram perfeitos, que tinham rimas ricas, métrica, e blá-blá-blá, aí eu acreditei e postei lá no Recanto das Letras e sabe o elogio que eu recebi seu filho da puta?
-Não, qual foi?
- Só do tipo assim: “Adorei o seu soneto. Me visita” – Ou “Seu soneto está legal, mas e a métrica?”
Dr. João estava ciente que a situação fugia cada vez mais do seu controle. Decidiu efetuar uma manobra mais ousada.
- Faz o seguinte, abaixa a arma, e toma esta pílula aqui ó (Dr. João oferece um medicamento ao Sem-as-mões).
O poeta infeliz ficou então mais possesso.
- Enfia este remédio no...
Neste momento ele foi interrompido pelo médico.
- Calma aí rapaz! – Quer saber de uma coisa? – gritou o Dr.
O doido infeliz - pego de surpresa, responde.  – O quê?
- Os seus sonetos são uma porcaria mesmo! – Eu não aguentava mais ouvir você declamando-os para mim, paciência tem limites, faça-me o favor, vai ser chato assim lá nos raios que o parta!
- Ah é, é! – Então toma!
O pseudopoeta efetua um disparo no abdome do médico. Ele cai.
O xerox de poeta, ao ver a besteira que acabara de fazer, dá cabo da própria vida ali mesmo.
- A esposa do médico chega logo em seguida, aos berros, e logo tenta socorrer o esposo.

PARTE II

Dias depois Dr. João estava andando perto de uma biblioteca pública quando, ao olhar para uma das entradas, viu a figura de um menino que lhe chamou a atenção. Decidido, segue em direção dele. O menino, ao perceber que estava sendo seguido por ele, foge. O Dr. Não desiste e chega até o menino.
- Olá, como é o seu nome?
O menino nada diz. Apenas arregala os olhos e foge.

No outro dia, no mesmo horário, o médico se depara com o enigmático menino. Resolveu mais uma vez ir até ao menino, mas desta vez não o deixaria escapar. Foi seguindo ele até uma das prateleiras de livros. Lá iniciou um diálogo.
- Olá, como se chama?
O menino apenas olha para ele e nada diz. – Posso saber o seu nome?  - Por que vem tanto aqui? - E por que você está com esta pilha enorme de livros sobre Física Quântica?
- Meu nome é José, mas me chamam de Zezinho.
- Viva! – Que bom que decidiu falar comigo! – Mas me diga Zezinho, qual o seu interesse em um assunto tão adulto e tão complicado como a Física Quântica?
- Se eu falar o senhor promete que não ri?
- Claro meu querido, pode se abrir comigo!
O menino, ainda meio ressabiado, decide então se abrir com o médico.
- Sabe o que é – fala quase sussurrando – eu escuto POETAS MORTOS!
O médico, surpreso pela revelação, pergunta:
- Como assim?
- Eles estão por toda a parte... Escreveram a vida toda, na esperança de terem o reconhecimento do grande público, mas o que acontece, na maioria das vezes, é que eles morrem sem reconhecimento algum... Eu os vejo por toda parte.
- Você tem certeza que eles, esses poetas os quais você se referiu, estão mortos?
- Tenho! – E presta atenção no que eu vou lhe dizer... – Zezinho faz uma pausa e continua – Eles só veem o que querem ver e só gostam de ouvir elogios sobre as suas obras.
- Tudo bem, responde Dr. João, mas eu fiquei com uma dúvida: - por que você vem aqui nesta biblioteca e retira esta pilha de livros sobre Física Quântica?
- Ora, o senhor não sabe?
- Não.
- Eu descobri que a quase totalidade dos poetas odeiam Física! – Então passei a estudar esta ciência na esperança de me livrar deles e, quem sabe, atrair a atenção de alguém como Einstein, Newton...
- Entendi.
Agora me dá licença, pois preciso ir.


Ao voltar para casa, o médico notou que a sua esposa deixara a porta da casa fechada.


No outro dia, no mesmo local, Dr. João se encontra com o menino. Resolveu se aprofundar no assunto que começara no dia anterior.
- Explica-me tudo o que conversa com os poetas mortos.
O menino fala que os poetas são, na maioria, tristes, sobretudo porque não obtiveram o reconhecimento em vida e, agora, após a morte, foram esquecidos até pelos amigos virtuais. Zezinho disse que eles se queixam pelo fato de não poderem mais deixar suas emoções registradas em forma de versos.
- E o que você faz quando eles ficam insistindo em se comunicar com você?
- Eu pego um livro de Física e começo a explicar a Teoria da Relatividade para eles. Não dá dez minutos e todos somem no além!
- Presta atenção, você não vai mais fazer isso! – De agora em diante, quando eles quiserem se comunicar com você, atenda-os, entendeu?
- Mas eu tenho medo! – E, além disso – odeio poesias! – meu negócio é Física!
- Mas você não quer se livrar deles? – pergunta espertamente o médico.
 - Sim, quero!
- Então faça isso e conseguirá esse intento.


PARTE III

E, daquele dia em diante, a rotina de Zezinho mudou. Passava o dia ouvindo as declamações dos poetas mortos.
Tinha dia que só vinham trovadores. Outros dias, sonetistas. O pior dia para o menino era quando apareciam os cordelistas, os contistas e os cronistas; ele ficava até com dor de cabeça. Mas seguiu firme.
Depois de ouvi-los, passava um relatório minucioso ao médico. Ele, por sua vez indicava qual tipo de abordagem o menino deveria utilizar, de acordo com a gravidade do caso.
E assim Zezinho foi se acostumando cada vez mais com aquela sua estranha habilidade. O médico notou que, a cada dia que passava, ele ficava mais calmo, mais sereno.
O menino relatava os progressos obtidos com os poetas mortos. Dizia que muitos deles não mais apareciam para ele, e se dizia estar feliz por isso.


PARTE IV

Ao chegar novamente em sua residência o médico notou que a porta estava fechada. Deu então uma volta por trás dela e de lá viu uma cena que não gostou. A sua esposa estava nos braços de um amigo. Notou que ela chorava. Nada entendeu. Completamente decepcionado, saiu zanzando pelas ruas sem rumo definido.

Passaram-se vários meses. Sempre quando ele voltava para casa encontrava a porta fechada.
Certo dia, chegou no exato momento em que a sua esposa saía com o seu amigo. Quis correr até aos dois, mas conteve-se.


Em mais um dia de encontro com o menino, o médico decide fazer uma pergunta que queria fazer a muito tempo.
- Zezinho, no primeiro dia em que nos encontramos você me disse que eles, os poetas mortos, só veem o querem ver e só ouvem o que querem ouvir.
- É isso mesmo!  - Alguns pensam que ainda estão vivos!

Dr. João ficou mais confuso ainda depois da explicação do menino.

Ao voltar para a sua casa, desta vez encontrou a porta aberta.
Entrou e, só ai, lhe veio à memória todo o ocorrido. Lembrou do paciente doido que lhe aparecera de súbito, do tiro que levara e da sua esposa aos prantos. Concluiu, sem que lhe restasse nenhuma dúvida, que estava morto.
Foi até o quarto. Lá encontrou a esposa dormindo. Percebeu que ela estava em estado de sonambulismo, pois falava alguma coisa. Conversou com ela. Disse que a amava, mas que ela deveria seguir com a sua vida e esquecê-lo. Que estava bem e jamais a esqueceria.
Ela, no seu estado de sonolência, também lhe disse que o amava e que jamais o esqueceria.

No outro dia, ao encontrar-se com o garoto, o médico, em lágrimas, apenas disse:
 - Adeus!

Texto inspirado no filme “O SEXTO SENTIDO” de  M. Night Shyamalan.*

ISAÍAS GRESMÉS, 22/02/2012








 




  

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