sábado, 13 de dezembro de 2008

A vida de um guerreiro

A vida de um guerreiro.


Às margens de uma rodovia, em uma pequena cidade do interior, havia um cemitério - pequeno como a cidade - e bem ao lado da diminuta morada dos mortos, existia também um lixão. Mais abaixo, depois de um brejo, corria livre um rio – que começava a tornar-se poluído devido à contaminação do lixo. Foi neste cenário peculiar que essa história aconteceu.

Às margens da rodovia
Ao lado do cemitério
Deu-se esse caso sério
Em manhã chuvosa e fria

O pequeno Joseval
Na companhia do irmão
Juntos iam pro lixão
Na rotina habitual

JOSEVAL:

Vamos logo Zé Maria
Que já estamos ensopados
E é melhor tomar cuidado
Ao cruzar a rodovia

Pois com essa fina garoa
É melhor não se arriscar
E na hora de atravessar
Só passa na hora boa

ZÉ MARIA:

Não esquenta Joseval
Que cuidado eu vou tomar
Na hora de atravessar
Pois não quero me dar mal

Depois de uma caminhada de trinta minutos, os dois chegam ao ponto da travessia... O trânsito não estava tão intenso, porém todo cuidado era pouco, pois naquele ponto já havia acontecido muitos acidentes fatais. “Toma cuidado com seu irmão meu filho! Não deixa ele atravessar sozinho!” Joseval relembrava as recomendações da mãe.

Neste momento a chuva engrossou
E a visibilidade já não existia
Nuvens carregadas escureceram o dia
E a tempestade, então desabou



Parte II

Joseval se apressou na hora de atravessar. Olhou para os dois lados, viu que ao longe vinha uma carreta com os faróis acesos... Sentiu que dava para ir... foi.
Zé Maria titubeou... Ameaçou ir, voltou... Assustou-se com um raio... decidiu ir... O caminhão não conseguiu frear, havia muita água na pista...

Em uma poça de água os pingos de chuva dissolviam o que restou do pequeno menino.


Alguns anos se passaram. Joseval, agora um adolescente, ainda buscava o sustento da família no lixão do cemitério.
Sempre quando terminava de fuçar os detritos em busca de materiais recicláveis, passava no cemitério para visitar a humilde cova do irmão.
Um dia percebeu que no setor onde os ricos eram sepultados, as pessoas que visitavam os mausoléus, sempre deixavam alguns vasos de flores, que depois de alguns dias eram jogados lá no lixão. Algumas plantas já estavam mortas, outras apenas ressecadas. Joseval começou a pegar esses vasos. Com algumas plantas ele enfeitou a humilde cova do irmão.
Decorridos alguns meses, Joseval ficou tão feliz, pois a cova do irmão estava coberta de vida.

Na cova outrora triste
Agora bailava a vida
Onde lindas borboletas
Ensaiavam piruetas
Em torno das margaridas

Os crisântemos amarelos
Abriam-se para o céu
E as abelhas num zum-zum
Visitavam um a um
Extraindo o néctar em mel

O administrador local, quando viu o trabalho do Joseval, fez uma proposta a ele:
“Meu rapaz, você leva jeito para jardinagem... Você gostaria de trabalhar aqui no cemitério, para cuidar das sepulturas?”
Claro que Joseval aceitou. Ficou radiante de alegria. Começou naquele dia mesmo o seu novo ofício. E executava o serviço com todo amor do mundo.
Em pouco tempo ele já havia transformado aquele humilde cemitério em um lindo e perfumado jardim.
Os freqüentadores ficavam encantados com o trabalho dele e sempre contribuíam com uma bela gorjeta.
A vida da sua família melhorou vertiginosamente. “Olha mãe, o que eu comprei: uma cadeira de roda para senhora...” A velha naquele dia chorou muito, mas não foi de tristeza, como sempre fazia... desta vez foi diferente.


Parte III


Joseval não se conformava com a poluição que o lixão estava provocando no rio que corria ali ao lado do cemitério. Começou a estudar algumas soluções durante vários dias. Foi a uma Lan house, digitou toda ideia, imprimiu e se dirigiu à prefeitura local.


Joseval

Bom dia, eu trabalho perto do lixão
E gostaria de apresentar
Uma forma de acabar
Com o problema da poluição

Pois o nosso rio está morrendo
E isso é uma judiação
Por isso uma grande ação
Ele clama nesse momento


Secretário do meio ambiente

Alto lá seu moleque
Quem você pensa que é
Sai pra lá seu Zé Mané
Se manda seu mequetrefe!

Joseval saiu arrasado da prefeitura. Sua vontade era de matar aquele homem, mas mesmo após esse triste episódio, ele não desistiu de salvar aquele rio.
No outro dia conversou com o administrador sobre o seu projeto. “Que idéia boa Joseval! Tem tudo para dar certo... Eu vou te ajudar.”
Havia um pequeno salão desocupado nos fundos do cemitério onde antes eram guardadas as ferramentas e outros apetrechos; porém com a reforma recente, ele ficou sem uso. Joseval recebeu a autorização do administrador para guardar os materiais ali.
Alguns dias se passaram. Joseval falou sobre o seu projeto para seus antigos amigos do lixão.

Joseval

A ideia é a seguinte
Vamos trabalhar em união
E depois, no fim do dia
Faremos a repartição

Não vai ter atravessador
Para nos engambelar
E o mesmo que ganha um
O outro irá ganhar


Mas não é só isso irmãos
Por isso prestem atenção
O nosso rio ta morrendo
Devido à poluição

Além das latas
Do plástico e do papelão
Nós vamos salvar o rio
Por meio de nossa ação

Começaremos nas margens
O nosso plano em questão
Recolhendo lixo reciclável
E iniciando a plantação

De mudas da flora nativa
E, com isso, iniciar
A recuperação fundamental
De toda a mata ciliar

Quanto ao lixo orgânico
Aproveitaremos tudo
Através da compostagem
Transformá-lo-emos em adubo

Com isso tiraremos uma renda
Bem melhor neste lixão
E teremos garantido
Na nossa mesa o pão

É claro que nem todos concordaram com o plano do Joseval. É claro que alguns falaram por trás que ele estava era querendo roubar os demais. Mas o fato é que a ideia deu certo. Quatro meses depois, aquele quartinho no cemitério não era mais suficiente para guardar todo o material recolhido. Mas a cooperativa dos catadores do lixão do cemitério já tinha os recursos necessários para alugar um espaço maior. Um ano depois a CCLC já era uma empresa aberta e muito bem administrada.
O lixão não representava mais ameaça para o meio ambiente, pois tudo que ali era depositado também era reciclado.
O prefeito da cidade quis se aproximar de Joseval, mas ele não se deixou levar pela conversa dele. Há muito se desencantara com a política.
Uma emissora de televisão exibiu uma longa reportagem no horário nobre sobre o trabalho da CCLC. Com isso a cooperativa ganhou um prêmio muito importante do governo federal.
Joseval conseguiu uma bolsa para estudar Gestão Ambiental. Formou-se. Três anos depois conseguiu, juntamente com os companheiros da cooperativa, comprar a empresa que recolhia lixo na cidade. Bem, mas essa é outra etapa na vida desse bravo brasileiro.

FIM – Isaías Gresmés 13/12/2008

5 comentários:

  1. Meu amigo, quanta gente sofrida nesse nosso país, não se identifcaria com a dor e a capacidade de superação tão bem impressas no seu texto, lindamente escrito!!!
    Quisera que todos tivessm a história de sucesso do seu personagem, mas poucos tem a mesma sorte! Temos força e capacidade de superação, mas as oportunidades são tão raras!
    No entanto, o que salta aos olhos é o espírito empreendedos do Joseval!
    Lindo e sensível conto, meu amigo! E bem poderia ser a história de vida de tantos brasileiros!
    Parabéns!

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  2. Querido amigo, aqui você traz de
    forma sublime, o quanto, todos podemos, com muito pouco.
    Fala com simplicidade, sobre gente simples, que vence a si mesmo, para ajudar o próximo
    Parabéns

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  3. "A vida de um Guerreiro", Gostei muito de ler o teu Conto ISAÍAS, ele narra, com muita lucidez e brilhantismo a vida do personagem JOSEVAL desde a época em que, jundo com o irmão acidentado fatalmente lidavam no Lixão, até a fase em que conseguiu, através do seu espírito lutador e empreendedor, se reunir em cooperativismo com companheiros de atividade, visando uma melhor condição de vida e o próprio salvamento do rio que banha as proximidades do lixão, e por este começava a ser poluído. Tudo isso, sem contar com a ajuda daqueles que tinham a obrigação de fazer o que JOSEVAL fez por seu espírito justo e guerreiro. Seu conto, narra a vida de milhares de brasileiros, que anônimos, são os JOSEVAL que lutam por um Brasil mais limpo e mais justo. PARABÉNS AMIGO!

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  4. Isaias, gostei muito muito desse texto, mostra a vida sofrida e até em sua maioria de brasileiros como nós, e sua vontade de vencer e alcançando seu objetivo...você como sempre transformado fatos de nosso dia a dia em uma obra poética....beijos!

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  5. Amigo querido Isaías, seu conto é maravilhoso, uma lição de vida!!!
    Joseval poderia ter desistido, se entegado ao nada por causa do irmão, mas não, brilhantemente ele fez daquela tragédia a força para continuar vivendo sem o irmão e foi um vitorioso!!

    Este seu conto mexe com nossa cabeça, temos muitas coisas e nos acomodamos, sempre achando que ta bom o que Deus nos deu, mas não esta não, a força faz a união, e a união faz acontecer, e acontecendo saimos vitoriosos da batalha ardua que é subir na vida!!!

    Parabéns meu poeta amigo.

    Claudinha
    BH 19/12/08 09:53hs

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Eu, desde já agradeço a você, nobre amigo(a), pela presença aqui. Fique à vontade quanto ao seu comentário.