quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O Stradivarius

O STRADIVARIUS


-Com licença Rafaela, desculpe-me por interrompê-la em seus estudos meu anjo, mas a sua mãe te chama para o jantar.
-Tudo bem Alberta, diga a ela que já desço.

Rafaela, linda moça
Estudava as lições,
De Vivaldi, grande mestre,
As suas Quatro Estações.

Só faltava mais um dia
Para a apresentação,
Da sua orquestra de câmara,
Em Campos do Jordão.

Ansiosa, não estava conseguindo nem dormir direito. “Ai meu Deus, olhai por mim e por meus companheiros para que tudo saia perfeito...” Rafaela não se cansava de pedir ao alto. E isso era consequência, principalmente do seu perfeccionismo.

A linda adolescente
Desceu para o jantar.
E assim que terminou
Voltou para ensaiar.

Ela era a única filha da Sra. Elga e do Sr. Rudolph – ambos alemães – que já estavam morando no Brasil havia vinte e três anos. Rudolph trabalhava em uma montadora de carros alemã como engenheiro mecânico e Elga era professora de música do Conservatório de São Paulo, tendo sido a responsável pelo gosto musical refinado da filha.
Apesar da sua posição social, no entanto, Rafaela sempre se mostrou muito dócil com os empregados humildes da residência e estes a adoravam. Alberta, a governanta, a tinha como uma filha.
Os pais de Rafaela não gostavam muito dessa aproximação da filha com os empregados: “Não se misture com esta gente minha filha...” – ela sempre ouvia por parte deles, recomendações dessa natureza.

Narrador

No mundo material
Os homens não são iguais:
A maioria ganha pouco
E muito poucos ganham mais...

A linda moça pega o lindo violino que ganhara da mãe em seu aniversário de quinze anos. Ainda lembra-se das recomendações da mãe: “Esse violino tem quase 300 anos minha filha! Ganhei-o do seu avô quando tinha mais ou menos a sua idade... Ele me disse que o achou em uma casa destruída pela segunda guerra na Polônia... Só não me disse mais detalhes... Recentemente solicitei uma análise de um perito de renome internacional e ele me afirmou que se trata de um Stradivarius legítimo e que vale uma fortuna... Cuide bem dele querida.”
Com essa doce recordação ela recomeça o ensaio. Executa os primeiros acordes de “A Primavera”. Seu pensamento viaja com as notas sublimes da bela canção... Seus dedos delicados percorrem as as cordas do raro instrumento extraindo delas as mais divinas combinações de notas, dignas de estarem na obra do padre gênio.
Duas horas depois, já exausta, decide parar. Acondicionou o instrumento em uma bela caixa de madeira, dirigiu-se ao banheiro... banhou-se... entrou dentro de uma linda lingerie de seda e se deixou deitar-se suavemente em acolhedora cama...

Desperta harmoniosamente no outro dia, com um lindo canto de pássaro.


Narrador

Rafaela é acordada
Com o som do Bem-te-vi
Que todas as manhãs
Ia cantar por ali

A bela moça adorava
A suave melodia
De arranjo bem simplório
Que aquela ave fazia



Seis horas da manhã. Mais ansiosa que de costume, Rafaela toma seu café rapidamente, despede-se de Alberta com um abraço e um beijo. “Vai com Deus meu anjo”. Na frente da arborizada residência, Roberto, o motorista, esperava-a no automóvel.
A viajem transcorria normalmente. Rafaela ensaiava na mente os detalhes da apresentação que seria a céu aberto. De repente Rafaela percebe que o automóvel para no acostamento da rodovia.
“O que está acontecendo Roberto” – pergunta ela. “Eu já vou te explicar”, adianta ele. Nesse momento encosta um veículo e logo em seguida saem duas pessoas de dentro dele: um homem e uma mulher.

Rafaela

Roberto, o que está acontecendo?
Quem são estas pessoas?
Eu não estou entendendo...

Narrador

E Roberto relatou para Rafaela tudo o que estava acontecendo. Explicou que fazia parte de uma organização internacional que visava recuperar o patrimônio roubado dos judeus pelos nazistas durante a segunda guerra mundial. A bela moça ficou muito chocada quando ele lhe relatou que seu avô, Fritz Nensk, fora um membro importante do terceiro Reich, e participara de experiências desumanas com seres humanos, pois era médico. Foi amigo íntimo de outra figura tétrica, o médico Joseph Mengele. Atuou, principalmente, nos campos de concentração da Polônia e em meados de 1943 fora mandado para uma missão no norte da África. Viajou com a mulher e a filha Elga, de apenas dois anos.
Com a derrota da Alemanha nazista, ficou morando durante cinco anos, utilizando outra identidade, como médico, em Argel – capital da Argélia.
Em 1948, após receber uma correspondência do seu amigo Joseph, decide vir para o Brasil, onde fixa residência em um sítio no município de Embu. Foi nessa cidade que, quinze anos mais tarde, Elga se casa com Rudolph, filho mais velho de outro imigrante alemão.


Roberto

Parte do patrimônio que seu avô deixou
Foi fruto de várias famílias que ele surrupiou

Rafaela, aos prantos, custava a acreditar que tudo aquilo era verdade, mas ficou convencida depois que Emanuelle, a mulher que estava no carro com o outro homem, explicou-lhe com mais detalhes como aquela ONG atuava no mundo.

Emanuelle

Nós tínhamos como objetivo principal
Levar o seu avô à corte internacional
Isso só não aconteceu
Porque antes ele morreu

Narrador

E assim foi feito. O raro Stradivarius seguiu com aquelas pessoas rumo aos herdeiros de direito na Polônia. Rafaela recebeu outro violino de Roberto e ambos seguiram rumo à Campos do Jordão.
Era uma manhã ensolarada, mas fazia frio, pois iniciava o inverno.
Rafaela entendeu que era melhor não envolver a polícia neste caso, pois sua família correria o risco de ser envolvida em um grande escândalo internacional.
A apresentação foi maravilhosa. O Festival de Inverno em Campos do Jordão estava se tornando, a cada ano, mais belo. Rafaela, apesar de tudo, sentiu-se muito feliz.
Após as devidas explicações, Roberto se despede da família. Tanto o Sr. Rudolph quanto a Sra. Elga ficaram convencidos que o melhor era se conformar coma perda do raro violino.

Uma semana depois é veiculado no mundo inteiro mais um feito daquela organização. Os jornais estamparam a foto dos verdadeiros donos do Stradivarius.


FIM

Isaías Gresmés 24/12/2008

2 comentários:

  1. Isaías, querido, li "O STRADIVARIUS". Bem grande o texto, mas muito interessante. O antigo violino, me trouxe a memória a imagem de meu pai que tocava esse instrumento muito bem. Eu amava ouví-lo tocar!!! Obrigada por me convidar para ler as tuas obras!!! É muito prazeroso ler-te!!! Bjs

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