sábado, 28 de fevereiro de 2009

Joãozinho

Joãozinho


Foi numa tarde de verão, durante uma terrível tempestade, que veio ao mundo, aquele que ficou conhecido, mais tarde, pejorativamente como Suíno. Ali, às margens fétidas do córrego Pirajussara, aquela jovem, moradora de rua, sentindo as dores do iminente parto, refugiou-se em uma das suas inúmeras galerias. Não demorou e aquele bebê soltou seus primeiros lamentos para o mundo. Ninguém ouviu, pois só se ouvia o barulho da tempestade. A mãe, ainda se recompondo das dores, ao ver o rosto do filho, soltou um grito de horror. Último grito. Não seria mãe outra vez...

Às margens do Piraju
Foi selado um destino
A mãe - mendiga de rua
Deu a luz a um menino
Que nasceu desfigurado
Com o lábio leporino

A mãe já agonizante
Sozinha e sem suporte
Ao ver o rosto do filho
Soltou um grito pra morte
O pobre ficou entregue
À sua própria sorte

Um homem surgiu de dentro daquela galeria e, ao ver aquela mulher ali, deitada num canto, sendo quase arrastada pelas águas, ficou meio assustado e sem saber o que fazer. Era João Louco, um conhecido mendigo das redondezas que morava nas galerias imundas do nauseabundo córrego.

João Louco

Oxe! Será que tô vendo coisa?
Mas hoje eu nem bebi...
Meu Deus! É uma mulher
Que acaba de parir
Esse moleque feio
Com essa cara de sagui

João Louco cutucou a mulher e percebendo que ela não reagia, aproximou-se mais. A criança berrava de frio, embora estivesse entre os seios da mãe. Não havia o que fazer, ela estava morta. João, na sua loucura, sentiu um grande medo de ser acusado da morte daquela infeliz e voltar aos horrores da cadeia... Retirou o menino dos braços da falecida. Enrolou-o nos trapos que trazia consigo e lançou a mulher nas águas imundas do Pirajussara.

Nas águas imundas
Ela foi-se embora
Tais quais nossas fezes
Que lançamos fora
Ali, entre o lixo
Descansa agora

João sumiu na escuridão daquela galeria, levando consigo o menino. Não tardou, chegou ao local onde passou a morar desde que conseguira fugir da cadeia. Era um espaço pequeno perto do piscinão do Embu. Ali, por mais que chovesse as águas não inundavam o local. Tinha como companhia as ratazanas, baratas e outros asquerosos seres. João Louco construiu o seu refúgio naquele lugar, catando as madeiras e outros materiais que o povo lançava às margens do córrego. Sobrevivia de esmolas, da venda de materiais recicláveis e de restos de comida que encontrava nas redondezas.

João Louco, em seu refúgio
Limpou aquele menino
Fez uso de trapos sujos
Porque não usava o tino
Mas já não se incomodava
Com seu lábio leporino

Pegou uma faca cega
E cortou o seu cordão
Lançando aquela placenta
Ali, num canto do chão
E pra amarrar o umbigo
Fez uso da própria mão

O menino, agora limpo
A João deu um sorriso
E ele então se viu fisgado
Como que por um feitiço
“Vou criar esse menino
Aqui firmo compromisso”


Dez anos se passaram. João Louco ensinou tudo o que sabia àquele moleque. Joãozinho se mostrava muito inteligente. Não falava direito devido à má formação do céu da boca, mas não encontrava dificuldades para se comunicar com seu pai. Ficava triste quando João, o pai, chegava bêbado e o maltratava, mas jamais retrucava com ofensas, sempre o auxiliava.
João Louco nunca o deixou sair para as ruas. Durante dez anos Joãozinho somente pôde conhecer o mundo fétido das galerias da região. Mas, a cada dia que passava, o menino cobrava de João que queria conhecer a superfície, pois só havia visto aquele mundo pela pequena TV do pai e pelas diminutas saídas dos bueiros. Sonhava com o grande dia.

João Louco

Meu filho chegou o dia
De você conhecer o mundo
Mas alerto você querido
Não se iluda nenhum segundo
Pois lá não se planta amor
O solo é infecundo

Joãozinho

Mesmo assim querido pai
Eu quero ir visitá-lo
Pois daqui, onde moramos
Eu posso apenas escutá-lo
Eu quero sentir seu cheiro
Também quero tateá-lo

João Louco

Meu filho, preste atenção
Foi aqui que você cresceu
Neste mundo de imundície
Que o outro mundo esqueceu
Não espere receber rosas
Do povo de Prometeu*

Você será humilhado
Tal qual um cão sarnento
E eu não sei se vou conseguir
Ver você passar tormento
Ser desprezado é dureza
Isso causa sofrimento

Joãozinho

Muito bem meu nobre pai
Já estou ciente disso
Não me importo com isso não
Farei o que for preciso
Quem sobreviveu no esgoto
Viverá no paraíso

E assim João foi convencido pelo seu filho e ambos se dirigiram para a superfície. Era cedo, estavam quase chegando a uma feira local, quando são interceptados por um morador da região.

Morador

Ei João Louco!
Quem é esse menino
Com essa cara deformada
Mas parece um intestino
É feio feito você
Mas parece um suíno

Outras pessoas foram se aproximando e dizendo coisas desagradáveis: “Suíno! Suíno!” João estava acostumado com a humilhação, pois todos os dias era vítima daquelas pessoas. Muitas vezes recebia até pedradas nas costas, mas não fazia nada, entendia que as pessoas há muito perdera a humanidade. Mas aquela humilhação contra o seu filho ele não suportou. Em um acesso de fúria, pegou um pedaço de caibro que encontrou ali e avançou em direção daqueles homens. Com uma porretada certeira na cabeça de um, matou-o instantaneamente. Seu cérebro se espalhou e grudou nas roupas dos outros. Um segundo levou uma pancada nas pernas. Elas quebraram feito graveto. Outro levou uma porretada tão forte que seus dentes voaram longe...


João foi parar na cadeia
E lá deu um fim à vida
Joãozinho foi parar na CASA
Sentindo a dor da ferida
De onde sonhava um dia
Sair da vida sofrida

Na Fundação CASA Joãozinho ficou conhecido como Suíno. No início ele fora muito castigado pelos outros menores, mas depois passou a ser respeitado, pois se mostrara ser uma pessoa muito boa.
Certa vez uma importante emissora foi à instituição para entrevistar o tal menino que viveu durante dez anos no esgoto. Fizeram uma longa reportagem que foi ao ar em horário nobre. Dentre os milhares de telespectadores, um em especial, sentiu-se muito tocado pela aquela história e decidiu ajudar aquele menino deficiente. Era o cirurgião plástico, famoso entre as celebridades, Dr. Isainovic Gresmés.
Após todos os trâmites necessários, Dr. Isaínovic conseguiu a autorização para falar com aquele menino.

Dr. Isaínovic

Olá meu querido amigo
Pretendo te ajudar
E desse cruel defeito
Prometo - vou te curar-
Portanto não tenha medo
Basta só me autorizar

Joãozinho

Senhor, o que me incomoda
É a ausência do meu pai
Eu sinto que a minha vida
A cada dia se esvai
A lembrança do meu velho
Da minha cabeça não sai

Dr. Isaínovic

Entendo meu amiguinho
E te ofereço guarida
Pretendo te adotar
E curar tua ferida
Serei teu pai, tua mãe
Enquanto Deus me der vida

E assim foi feito. Aquele médico bondoso adotou Joãozinho. Alguns meses depois ele já exibia um sorriso perfeito. Começou a frequentar a escola e, enfim, ter uma vida digna. Em suas orações nunca se esquecera do pai, o seu herói. Sua vida mudara. Agora era respeitado por todos.

A vida de Joãozinho
Mudou por causa do amor
Contido no coração
Daquele que o adotou
Assim encerra esse conto
Deste bravo de valor


Isaías Gresmes 28/02/2009

3 comentários:

  1. Olha eu aqui, mano.
    Comentário sobre conto de Joãozinho:
    Seu conto é dinamico do principio ao fim. As personagens estão bem trabalhadas, sendo encontradas no nosso dia a dia.
    Está com um bom equilibrio entre os cenarios e a acção.
    Ela não se torna fastidiosa.
    Meus parabéns.

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  2. Poeta Isaías, este teu conto JOÃOZINHO, retrata, o nosso mundo real! Uma moradora de rua que dá à luz uma criança, morrendo, logo após o parto. A criança sem pai e sem mãe, que encontra outro morador de rua que a adota e que por algum trauma, a cria por dez anos afastado da sociedade. A insensibilidade das pessoas nas ruas ao conhecer aquela criança com o seu rosto deformado, causando violência, morte, resultando em prisão para aquele pai denominado de louco, mas que no entanto, teve a capacidade de demonstrar amor por uma criança órfã. Esse é o retrato do mundo em que vivemos, cheio de violência, insensibilidade e desamor. No final do conto, conhecemos aquele cirurgião, que se propõe a ajudar aquela criança; uma atitude louvável, porém, muito rara em nossos dias! Achei muito interessante este conto. Você conseguiu narrar de uma forma tão verdadeira, que através da leitura, eu entrei na história do começo ao fim, e vi todos os acontecimentos, como se fosse um filme; e interessante que a tua forma de contar, faz com que a leitura se torne muito agradável! Obrigada por me convidar para visitar o teu blog, que para mim, é sempre um prazer! Muito sucesso pra você! Abraços de tua amiga de sempre! Marlene.

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  3. Prezado Isaías, a beleza que marca: É a franqueza, honestidade, caráter, etc. etc.
    que lindo ,muito tocante,isso os mostra que é muito facil fazer alguem feliz.
    parabens...reflexivo... muito bom... meigo até... descreves muito bem.... passa a imagem... bj na alma!!!
    Andreia.

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Eu, desde já agradeço a você, nobre amigo(a), pela presença aqui. Fique à vontade quanto ao seu comentário.