sábado, 31 de março de 2012

ABDUZIDO




   Durante o interrogatório em uma pequena sala, João tenta explicar o que ninguém ali conseguia entender: como ele reaparece do nada, após vinte anos e, sem praticamente nenhum sinal de envelhecimento? Ele, na sua intimidade, também estava se esforçando para entender aquela situação assustadora . O que afinal havia acontecido consigo próprio? Por que a sua mãe, o seu pai, seus irmãos e os amigos estavam todos com uma aparência de mais velhos e ele não? Isso sem contar que, ao olhar para o local onde vivera toda a  vida, notara que estava completamente mudado em relação à imagem que tinha gravada na mente.
    João, confuso, relata o que se passara com ele algum tempo atrás. Seu caso despertou a atenção de autoridades científicas do mundo inteiro. Na pequena sala, aquele cientista estava ansioso por ouvi-lo:
   - Foi assim: naquele dia acordei às 6h, como me era de costume... Fiz um café, tomei uma pequena xícara e logo em seguida saí para minha corrida matinal. Naquele dia, não sei porquê, resolvi fazer um caminho no qual eu ainda não havia percorrido. Era uma trilha no meio de uma pequena mata perto da minha casa... Eu sempre gostei de entrar em contato com a natureza e, embora aquele caminho fosse desconhecido para mim, resolvi percorrê-lo... Quando eram passados mais de 15 minutos,  e eu sei que era esse o tempo porque olhei no meu cronômetro, avistei um obstáculo no meu caminho: tratava-se de uma enorme árvore caída... Acho que foi devido à tempestade da noite anterior. Fui obrigado a me embrenhar no mato para me desviar dela. Foi neste momento que eu caí num poço bem fundo e...
    - Espera aí meu jovem - levanta a voz, Afrânio, o cientista, um físico conhecido do país – Como isso é possível, se você não apresenta nenhuma cicatriz, sem contar que já se passaram vinte anos?!
   - Eu não sei dizer, mas foi isso que aconteceu... Quando cheguei lá embaixo comecei a sentir dores horríveis como eu nunca havia sentido... Minhas pernas estavam quebradas e...
    - Sei, disse Afrânio, interrompendo-o mais uma vez, com ar de desdenho.
    - Continuando: minhas pernas estavam quebradas e os ossos estavam expostos...  Mas eu não as sentia... Havia perdido a sensibilidade da barriga para baixo... Meus braços também estavam quebrados... Um deles, o esquerdo, estava pendurado por um pedaço de músculo... Eram deles que eu sentia uma dor que não quero nunca mais sentir.
   - Seu João, francamente, o senhor acha que alguém vai acreditar nesta sua explicação?
   - Olha aqui meu senhor, grita João já visivelmente irritado, se não quiser escutar o que eu tenho a dizer, é só ir embora!  - Eu estou relatando o que aconteceu comigo, sem tirar nem por, agora acreditar ou não, depende você! – Por isso peço-lhe por gentileza, que não me interrompa mais, pode ser?
   O cientista, constrangido, acena positivamente com a cabeça.
   E João prosseguiu relatando o acontecido até chegar num ponto perturbador.
   ... – Fiquei naquela agonia por mais ou menos umas duas horas... Já estava com dificuldades até para respirar... Minha visão foi ficando cada vez mais turva... Minha boca seca... Notei que algumas sanguessugas estavam se concentrando na região das fraturas expostas das minhas pernas... Eu tentei retirá-las, mas a cada esforço da minha parte, sentia que poderia morrer... Foi neste momento que algo muito estranho aconteceu – João respirou fundo, olhou para o físico e continuou sua narrativa:
    - ... Uma luz intensa, tão forte quanto a luz do sol, preenche todo o fundo do poço... Eu fiquei feliz e pensei “estou salvo”... De repente uma força estranha começa a manipular meu corpo e, depois disso, apaguei.
   O silêncio na sala era sepulcral.
   - Posso fazer-lhe algumas perguntas agora?
   - Sim.
   - E depois, aonde você foi?
   - Não sei seu Afrânio, primeiramente me vi cercado de pessoas cujos rostos eu não podia ver. Eles estavam mexendo no meu corpo. Era uma equipe enorme. Deduzi que eram médicos. Só que fiquei muito confuso, pois eles usavam equipamentos estranhos que emitiam luzes e nada falavam, porém eu percebi que havia um completo entendimento entre todos e a comunicação se dava apenas com o olhar.
   - Como assim?
   - É só isso que eu tenho a dizer. Não sei quem eram aquelas pessoas, só sei que eles consertaram meu corpo e me devolveram à vida.
   - Você mencionou que foi “manipulado por luzes”. Poderia explicar isso?
   - Foi exatamente assim: primeiramente eu me vi ofuscado por aquela luz intensa e, a seguir, senti aquela luz manipular meu corpo, como a me atrair para ela. Foi neste momento que eu desmaiei.
   - E após a “cirurgia”, o que aconteceu depois?
   - Algum tempo depois eu já estava convivendo com várias pessoas, só não conseguia distinguir seus rostos, porém dentro de mim era como se eu tivesse vivido ao lado delas sempre. Passeávamos por imensos parques, cultivávamos extensas áreas com variados cereais, estudávamos, praticávamos esportes e ensinávamos também; enfim, a minha vida prosseguiu de uma forma bem dinâmica como nunca antes havia sido.
   - E você não achou estranho tudo isso?
   - Para ser sincero não senhor! – É estranho, mas eu nem me lembrava dos meus pais... Era como se aquelas pessoas as quais eu não conseguia reconhecer o rosto fossem também parte de mim, como a minha mãe, meu pai e meus amigos, entende?
   - Está difícil para mim acreditar nisso... E como o senhor explica essa sua ausência durante vinte anos em que o senhor praticamente não sofreu com a passagem do tempo?
   - Eu não sei... Só me lembro do dia em que me despedi de todos os meus amigos sem rostos. Eles nada disseram, como, aliás, era de costume, mas eu entendi que já era hora de eu partir. Naquele dia um deles me fez uma revelação...
   - E qual revelação é essa?
   - Ele me disse, e disse-me do jeito peculiar deles, que eu mostraria aos humanos, quando chegasse a hora, que a Terra era apenas um dos lares da humanidade, que outros haviam e o caminho estava em mim. Em seguida entrei num portal de luz e acordei na minha cama, a qual minha mãe deixara arrumada no decorrer desses longos vinte anos.
   - Fale-me sobre esse “portal de luz”.
   - Tinha um formato oval; sua luz não era tão intensa. Quando eu dei um passo para dentro dele, já acordei lá na minha cama.
   O cientista sorriu satisfatoriamente e concluiu:
   - João, você é a prova viva de que existem buracos de minhoca e que é possível as viagens interplanetárias. Meu amigo, temos um longo trabalho pela frente!
   - Então o senhor acredita em mim?
   - Claro!

   Após aquele exaustivo dia, João finalmente se deita na aconchegante cama que sua mãe nunca deixara de arrumar sonhando com a sua volta. No meio da noite, já no estado de sono profundo, da testa dele sai um feixe de luz que vara a escuridão das ruas e chega à residência de Afrânio. O cientista, como que laçado pela luz, vai ao encontro de João. E ambos saem para uma longa viagem rumo a outra moradia da humanidade.

                     ISAÍAS GRESMÉS, 16/03/2012

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