domingo, 25 de outubro de 2009

A arte de ensinar

A ARTE DE ENSINAR

“Vamos lá, todo mundo fazendo o que o mestre mandar!” E assim a minha aula de capoeira começava na escola onde eu exercia um trabalho voluntário junto à comunidade local. As crianças me seguiam e faziam tudo o que eu ensinava.
“Agora vamos fazer patinho hein!” E todos se agachavam e imitavam o andar dos patos.
Assim eu trabalhava os músculos inferiores e a coordenação motora deles.
“Olha o jacarezinho! – vamos ver quem chega ao rio primeiro!” Era uma festa! Todos saíam rastejando, assim como faz o réptil quando anda no solo.
Desta forma eu trabalhava tanto os membros superiores quanto os inferiores, além da resistência respiratória.
“Atenção! Agora todo mundo é sapo!” E era um tal de pula-pula para todos os lados, uma verdadeira festa! Essa era a maneira que eu usava para desenvolver a força de explosão dos meus alunos.
Quando terminava essa primeira sessão, eu fazia a brincadeira que eles mais gostavam, que era o “Capitão-do-mato”.
“Vem cá menino! Você vai ser o nosso Capitão”.
E lá iam os negros fujões, tentando se livrar do Capitão e do trabalho escravo. Refugiavam-se na capoeira, um local descampado, com pequenos arbustos – um mato ralo, segundo a língua tupi-guarani, que deu origem ao nome da nossa arte-luta. O Capitão seguia no encalço na intenção de trazê-los novamente à fazenda.
“Peguei você!” Quando o Capitão conseguia capturar um negro fujão, este permanecia imóvel e de cócoras. Só sairia desta posição se outro negro fujão chegasse até ele e desferisse, acima de sua cabeça, um golpe chamado “meia-lua-de-frente”. Se isso ocorresse, ele estava livre novamente.
Fazendo uso desta brincadeira eu ensinava que a liberdade é um dos maiores bem que uma pessoa pode possuir e, que no passado nossos ancestrais negros não tinham posse desse bem primordial. Ensinava também o valor do trabalho em equipe e, ainda por cima, alguns fundamentos da capoeira, como a defesa em cócoras e a meia-lua-de-frente (eu ia variando os golpes para não ficar monótono).
Finda esta etapa, eu voltava a correr em círculo, com eles atrás de mim. Executava um movimento e seguia; quem vinha logo a seguir fazia o mesmo e assim sucessivamente.
“Agora vamos nos alongar, tudo bem?”
“Vamos tentar encostar nossos dedinhos lá no céu... Agora vamos encostar nossas mãos lá no chão...”
Faltando meia hora para o término da aula (que durava duas horas), eu armava um berimbau e iniciava outra etapa no ensino deles:
“Oh lá-lá-ê ,Oh lá-lá-ê ,Oh lá-lá-ê, lá-la-i-lá...” E eles respondiam ao coral, além de responder nas palmas: “Oh lá-lá-ê....” “Olha a palma de Bimba, é um, dois, três...”
Todos sentavam em círculo e a roda começava.
Eu jogava inicialmente com todos eles, depois colocava os meus melhores alunos, cada qual numa roda , enquanto que os restantes passavam, um a um, jogando com cada um deles, numa espécie de rodízio; permanecendo essa dinâmica até o fim da aula.
Ensinava assim, a importância da disciplina hierárquica.
Tenho saudades daquele tempo...

Isaías Gresmés 25/10/2009

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