quarta-feira, 22 de julho de 2009

CRACK

CRACK


Num terreno baldio, esquecido até pelo proprietário, concentra-se entre os montes de lixos de toda natureza, uma parcela, apenas mais uma parcela da sociedade. A parcela dos esquecidos, dos mortos-vivos, dos viciados em crack e outras drogas.

Em um ambiente horrível
Empesteado de sujeira
“Vivem” vários infelizes
Em meio às varejeiras
Muito mais mortos que vivos
Menos carne, mais caveiras

Ermitão é um deles. Negão, cabelos rastafári, ensebado pelo limo de vários anos sem ver limpeza; magro, verdadeira caveira ambulante. Não se sabe se em suas veias ainda corre sangue ou se apenas as malditas drogas. Chegou ao terreno à questão de um ano. Além dele, contam-se uns dez infelizes por lá.

Ermitão combina com Bagaceira uma ação:

É o seguinte Bagaceira
Vamos sair pra roubar
Pois eu já estou a fim
De uma pedra fumar
Já estou todo tremendo
Tenho medo de apagar

Bagaceira

É nóis Ermitão
Eu também estou a perigo
Vamos nessa sangue bom

E os dois saem para caçada de alguma vítima. Eles sabem que não pode ser qualquer um. Eles não têm força o suficiente para dominar um homem forte, por isso a vítima tem que ser, preferencialmente, uma mulher; uma velha seria o ideal.
Os dois são seguidos de perto por várias criaturas as quais eles não podem ver. Estas criaturas têm como líder alguém que atende pelo apelido de Zeloco. É ele quem sugere ao Ermitão que ataque uma senhora que passa pela calçada. Ermitão diz em pensamento “É essa!”

Ermitão

Olha a véia aí cumpadi
Se liga Bagaceira
Dá um capote na véia
E vê se não marca bobeira
Arranca a bolsa dela logo
Pra tirar a sua carteira

Bagaceira

Passa a bolsa tia
E não grita não
Senão te mato, sua vadia

Roubo executado, os dois correm para o terreno baldio. São seguidos de perto por Zeloco e sua turma. Ambos não percebem, evidentemente. Em um canto do terreno, ao lado de uma enorme pedra, “trabalha” Veneno. Veneno já está no posto a mais de um ano. Sujeito alto, forte e muito cruel. Desde quando viu a mãe morrer de overdose de crack, prometera a si próprio que jamais voltaria a usar “essa porra!”, como sempre pensava.


Ermitão

E aí, irmão Veneno
Conseguimos um celular
Em troca dele queremos
Uma pedra pra fumar
Pode ser, ó meu cumpadi
Com isso dá prá pagar?

Veneno

Não quero porra de celular
Aqui só dinheiro, vacilão
Mas, prá não dizer que sou ruim
Vou abrir uma exceção
Mas amanhã, nesta mesma hora
Quero dinheiro na minha mão

Bagaceira

Valeu Veneno sangue bom
É nóis mano
Amanha nóis paga irmão

Ermitão sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha, mas a “fissura” de fumar a pedra falou mais alto. Do seu lado, Zeloco e os demais já estavam com os olhos esbugalhados de ansiedade.
Pedras na mão... cachimbo de antena de carro e garrafa pet... Ambos viajam para o paraíso... mas, decorridos alguns segundos, eles retornam ao inferno, ou pior, para o terreno baldio. Zeloco e os demais, ainda extasiados pelo efeito alucinógeno da droga, encostam num barranco.

Zeloco sabe que aqueles dois infelizes não aguentarão por muito mais tempo aquela rotina de consumo cavalar dos entorpecentes. Sendo assim, ele já está concentrando todos os seus esforços em persuadir Veneno, pois ele é novo e cheio de saúde; “Aguenta algum tempo antes de morrer...”, arquitetava em pensamento.


PARTE II

Outro dia, outro assalto. Ermitão e Bagaceira aborda dessa vez um jovem estudante. O menino acabara de sair da escola particular e se dirigia para o carro do pai, um policial da Rota que, naquele dia estava de folga, por isso aproveitou para levar e buscar o filho na escola. Levou um grande susto quando viu aqueles dois sujeitos imundos tentando tomar a bolsa com o notebook do seu filho. Sacou sua Magnum 44 e saiu correndo em direção aos três.

Policial:

“Os dois! deitem no chão!”

“Vai para o carro meu filho; toma, pegue meu celular e liga lá pro quartel!”

Assim que o menino chegou ao carro, fez o que o pai havia lhe pedido. Logo depois ouviu seis tiros seguidos. Quis voltar, mas foi contido pelo pai que chegou correndo ao carro.

Policial:

“Os desgraçados reagiram...”


Parte III

Zeloco

Vocês morreram e não foram para o céu
Aqui é o que se chama de beleléu

E aqui, quem manda, sou eu, Zeloco
E aqui todos sabem que louco para mim é pouco

Sou coisa ruim, emissário do capeta
Não vacilem comigo não, por que senão é treta, muita treta...

Ermitão e Bagaceira foram “convencidos” a fazer parte do bando do Zeloco.

Parte IV

Todos eles seguiram em direção à pedra onde descansava Veneno. Logo Veneno se viu envolvido por pensamentos estranhos. Sentia uma angústia muito grande. De repente era como se sua mãe estivesse ali, ao seu lado, oferecendo-lhe uma pedra. “Não!” Berrou ele, mas agora era verdade, ela estava ali, bem ao seu lado, fumando uma pedra. Ele podia ver as suas veias dilatadas e seus olhos esbugalhados num vermelho sangue a fitá-lo com ódio. Sua cabeça começou a girar e ele foi saindo de si. De repente ele percebe que não está ali somente com a sua mãe, mas sim rodeado por uma multidão de infelizes, dentre os quais, Ermitão e Bagaceira. “Mas vocês não estão mortos, seus infelizes?!”
Saiu gritando, pulou o muro e não percebeu o enorme caminhão que vinha em alta velocidade. Seu corpo foi arremessado contra o muro. Ao lado, caído, estava um cachimbo improvisado com o qual ele havia consumido algumas pedras de crack.

Mais um para o bando do Zeloco.

Fim – Isaías Gresmés

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