sábado, 16 de agosto de 2008

Rosa

Ela era uma menina ainda, tinha apenas quatorze anos. Rosa era seu nome. Embora tivesse nome de flor, não trazia em seu semblante nada que lembrasse pétalas; sua áura era carregada não por perfume, mas por pontiagudos espinhos.
As pessoas, quando a viam murmuravam em coro:


Pessoas:

Olha quem tá indo à feira
É a rosa
A asquerosa
A lixeira

O resto ela vai catar
Das coisas que cai no chão
Ela não tem nojo não
Dá ânsia só de pensar

Entre aquelas pessoas, poucas, bem poucas, sentiam alguma compaixão e não ridicularizavam a menina. Diziam sentir dó da sua situação infeliz.

Pessoa “boa”:

Amigos, pobre coitada
É essa menina Rosa
Coitada, tão maltratada
Se eu pudesse ajudava
Essa pobre tão judiada

Mas o que ganho
É tão pouquinho
Que não sobra nem um restinho
Pra fazer ação de graça


E assim, entre maledicências e caridade só da boca pra fora, Rosa seguia sua triste sina.
Toda quarta-feira, dia da feira local, Ela era despertada aos berros, por sua mãe:

Mãe:

Acorda logo Rosa
Vai lá pegar o que achar
Não tem nada pra preparar
Na peste dessa palhoça
E vê se não me enrola
Volte logo sem demora

O nenê está chorando
E meu leite ta secando
Seu pai já foi lá pro bar
Encher a cara de mé
Só volta de quatro pés
Com aquele bafo horrível
Então vai logo, anda!
E não demora
Senão acaba a sobra
Traga tudo que for possível


Rosa, embora fosse mulher, não costumava chorar com facilidade; aquela vida de sofrimento foi endurecendo seu coração. Mas em pensamento ela sofria demais. No caminho para feira, chorou, e chorou muito, mas foi um choro da sua alma; dos seus olhos não saíram uma lágrima.

Rosa

Oh, meu Deus que agonia
Como é triste minha vida
Minha alma está doída
E sinto isso todo dia

Por que tem que ser assim
Por que esse sofrimento
Oh meu Deus, por um momento
Por favor, pense em mim

Rosa estava muito triste, mas seguiu rumo ao seu destino. Chegando à feira, foi entrando embaixo das bancas de frutas e legumes, catando tudo aquilo que dava para aproveitar. Alguns feirantes não aprovavam a sua presença.

Feirante:

Sai pra lá! Sai pra lá
Senão minha freguesia
Você vai espantar

Vai! Some daqui!
Senão minha freguesia
Não compra o meu kiwi

Ela estava com bastante fome, pois não havia comido nada ainda, pega uma banana, metade estragada, metade boa e devora a parte aproveitável ali mesmo. Uma freguesa vendo aquilo se assusta:

Freguesa

Menina, não come isso não!
Pois isso caiu no chão
E o chão tem porcaria
Sua mãe não está aqui não?

Rosa balançou a cabeça negativamente. A freguesa continuou suas compras, indignada com a miséria daquela menina. Ainda comentou com outra mulher do seu lado: “ É fogo né! Tem gente que coloca filho no mundo somente para sofrer...”

Com o saco de estopa
Repleto até a boca
Rosa volta contente
Com a comida garantida
Já não sentia mais fome
Esse monstro que só consome
As pessoas esquecidas

No caminho Rosa encontrou-se com seu pai. Vinha cambaleando, costurando a rua, tropeçando nos próprios pés. Ela, pacientemente segura numa mão o pesado saco e na outra auxilia o pai a equilibrar-se.
Chegando em casa Rosa entregou o saco e o pai à sua mãe. O saco a mãe pegou. O marido a mãe xingou, bateu e empurrou para o quartinho imundo deles.

Mãe

Dorme lazarento
Traste vagabundo
Verme imundo
Burro! Jumento!

Rosa se afastou da casa para fazer aquilo que era a sua única diversão: cuidar da horta que havia feito junto com sua mãe. Chegando à horta ela se sentia no céu. Ali ela se esquecia de todas as mazelas da vida.

Minha querida plantinha
Que da semente vi nascer
Você é tão bonitinha
Com essas suas folhinhas
Como é bom vê-la crescer!

E você, linda abobrinha
Vejo que está bela
Já tem até cinturinha
Já, já estará gordinha
Com a casca toda amarela

Olá meus tomatinhos
Vocês, verdes ainda estão
Mas depois, bem vermelhinhos
Bonitos e graudinhos
Garanto que ficarão

Naquele lugarzinho Rosa não se sentia triste. Ali sua alma se libertava das amarguras da vida e era também ali que ela sonhava os mais belos sonhos, embora estivesse sempre acordada.
Estava viajando num mundo onde todas as pessoas eram felizes quando foi desperta por um homem que a chamava, no outro lado da cerca, seu nome era Gabriel:

Gabriel:

-Olá menina, estou vendo que você cuida bem da sua horta. Qual é o seu nome?
- Meu nome é Rosa.
-Muito bem Rosa, eu poderia conversar com seu pai ou sua mãe?

A vida da menina Rosa
Mudou naquele dia
Gabriel, alma bondosa
Conversou com a mãe da Rosa
E disse que compraria
Toda a produção da horta

E como adiantamento
Deu como garantia
Uma expressiva quantia
Num total de mil e quinhentos
Mas não foi em dinheiro não
Foi em alimentação
Pra família ter sustento

E comprou roupa prá Rosa
Para que ela fosse à escola
Essa era a condição
Que o contrato de ocasião
Foi imposto à família
Gabriel, homem bondoso
Aceitou com todo gosto
Ter a Rosa como filha


Os meses foram passando. A Rosa agora já não ia à feira buscar resto, muito pelo contrário, agora ia para trabalhar ao lado do seu segundo pai na barraca de legumes. Gabriel se sentia orgulhoso do que fez e sempre pensava contente: “Como foi bom eu seguir a minha intuição naquele dia, quando ouvi a Rosa conversando tão alegremente com as plantinhas...”.
A vida daquela menina, que outrora era tão triste, tal qual uma flor murcha, transbordava alegria. Sua mãe ajudava seu pai, que graças à ajuda do Gabriel, conseguira largar da bebida e pegava cedo no trabalho lá na horta. Dava prazer em ver o que aquele cantinho se transformara.

Com a graça do céu
Foi enviado Gabriel
Amigo, homem comum
Que tocado por Deus,
Sendo apenas um
Fez o que o coração
Pediu-lhe naquele dia
Quando ouviu o que Rosa dizia
Tão feliz na plantação

E assim a menina Rosa prosseguiu na sua nova vida. Quando passava na rua, as pessoas comentavam:

Lá vai a Rosa
Tão bonita
Tão cheirosa

Olha só as unhas dela
Tão lindas
Tão brilhantes

Olha o vestido dela
Parece uma linda flor
Com cores tão vibrantes....


É , a Rosa agora finalmente desabrochara.


Isaías Gresmés 16/08/2008


































2 comentários:

  1. Isaías coloca coração e mente naquilo que escreve. Suas imagens têm um lirismo enorme e seus textos transmitem uma grande gama de sentimentos, como: emoção, piedade, raiva, entre outros.
    A forma dos escritos também tornam os textos bastantes agradáveis de ler.

    ResponderExcluir
  2. Isaias, Obrigada mais uma vez pelo seus escritos.

    Não tem como não viver essas realidades da vida.

    Muitas ROSAS existem por aí,
    sofrem com a barriga vazia,
    Mas GABRIEL são poucos
    infelismente é a vida!!


    Uma grande lição de vida para todos nós,
    se cada um fizer um pouquinho pelo seu
    semelhante, aos poucos vamos
    combatendo a miséria e a fome.

    Não podemos esperar nada daqueles que realmente
    deveriam fazer algo para as milhares de Rosas por aí,
    Ninguem quer esmola, nem resto de alimentos, o que
    eles prescisam é de Emprego, para poderem se sustentar
    para terem uma vida digna.

    Bjs
    Amigo
    Claudinha BH 17/08/08

    ResponderExcluir

Eu, desde já agradeço a você, nobre amigo(a), pela presença aqui. Fique à vontade quanto ao seu comentário.