POETAS MORTOS*
Certo dia, ao
chegar em casa após uma rotina extenuante de trabalho, Dr. João Kukaboa,
respeitado psicólogo, pressente algo de errado em sua residência. Notou que o
vidro da porta estava quebrado e que a mesma estava entreaberta. Ficou tomado
por um calafrio, mas decidiu verificar o que havia acontecido. Ao adentrar a
casa, escutou a esposa lá no quarto, o que o deixou aliviado, mas o medo logo
tomou conta de si quando viu um vulto no banheiro. Dirigiu-se a passos largos
até lá. Foi quando foi surpreendido por um dos seus pacientes.
- O senhor me
disse que os meus sonetos eram ótimos!
- Calma
Sem-as-mões! Vamos conversar!
- Conversar
que nada! – Grita o sonetista infeliz – e saca de uma arma, apontando-a para o
corpo do psicólogo.
- Abaixa esta
arma, vamos conversar! – Respira fundo, acalme-se!
- Acalmar uma
porra! – Você me disse que meus sonetos eram perfeitos, que tinham rimas ricas,
métrica, e blá-blá-blá, aí eu acreditei e postei lá no Recanto das Letras e
sabe o elogio que eu recebi seu filho da puta?
-Não, qual
foi?
- Só do tipo
assim: “Adorei o seu soneto. Me visita” – Ou “Seu soneto está legal, mas e a
métrica?”
Dr. João
estava ciente que a situação fugia cada vez mais do seu controle. Decidiu
efetuar uma manobra mais ousada.
- Faz o seguinte,
abaixa a arma, e toma esta pílula aqui ó (Dr. João oferece um medicamento ao
Sem-as-mões).
O poeta
infeliz ficou então mais possesso.
- Enfia este remédio
no...
Neste momento
ele foi interrompido pelo médico.
- Calma aí
rapaz! – Quer saber de uma coisa? – gritou o Dr.
O doido
infeliz - pego de surpresa, responde. –
O quê?
- Os seus
sonetos são uma porcaria mesmo! – Eu não aguentava mais ouvir você
declamando-os para mim, paciência tem limites, faça-me o favor, vai ser chato
assim lá nos raios que o parta!
- Ah é, é! –
Então toma!
O pseudopoeta
efetua um disparo no abdome do médico. Ele cai.
O xerox de
poeta, ao ver a besteira que acabara de fazer, dá cabo da própria vida ali
mesmo.
- A esposa do
médico chega logo em seguida, aos berros, e logo tenta socorrer o esposo.
PARTE II
Dias depois
Dr. João estava andando perto de uma biblioteca pública quando, ao olhar para
uma das entradas, viu a figura de um menino que lhe chamou a atenção. Decidido,
segue em direção dele. O menino, ao perceber que estava sendo seguido por ele,
foge. O Dr. Não desiste e chega até o menino.
- Olá, como é
o seu nome?
O menino nada
diz. Apenas arregala os olhos e foge.
No outro dia,
no mesmo horário, o médico se depara com o enigmático menino. Resolveu mais uma
vez ir até ao menino, mas desta vez não o deixaria escapar. Foi seguindo ele
até uma das prateleiras de livros. Lá iniciou um diálogo.
- Olá, como
se chama?
O menino
apenas olha para ele e nada diz. – Posso saber o seu nome? - Por que vem tanto aqui? - E por que você
está com esta pilha enorme de livros sobre Física Quântica?
- Meu nome é
José, mas me chamam de Zezinho.
- Viva! – Que
bom que decidiu falar comigo! – Mas me diga Zezinho, qual o seu interesse em um
assunto tão adulto e tão complicado como a Física Quântica?
- Se eu falar
o senhor promete que não ri?
- Claro meu
querido, pode se abrir comigo!
O menino,
ainda meio ressabiado, decide então se abrir com o médico.
- Sabe o que
é – fala quase sussurrando – eu escuto POETAS MORTOS!
O médico,
surpreso pela revelação, pergunta:
- Como assim?
- Eles estão
por toda a parte... Escreveram a vida toda, na esperança de terem o
reconhecimento do grande público, mas o que acontece, na maioria das vezes, é
que eles morrem sem reconhecimento algum... Eu os vejo por toda parte.
- Você tem
certeza que eles, esses poetas os quais você se referiu, estão mortos?
- Tenho! – E
presta atenção no que eu vou lhe dizer... – Zezinho faz uma pausa e continua –
Eles só veem o que querem ver e só gostam de ouvir elogios sobre as suas obras.
- Tudo bem,
responde Dr. João, mas eu fiquei com uma dúvida: - por que você vem aqui nesta
biblioteca e retira esta pilha de livros sobre Física Quântica?
- Ora, o
senhor não sabe?
- Não.
- Eu descobri
que a quase totalidade dos poetas odeiam Física! – Então passei a estudar esta
ciência na esperança de me livrar deles e, quem sabe, atrair a atenção de
alguém como Einstein, Newton...
- Entendi.
Agora me dá
licença, pois preciso ir.
Ao voltar
para casa, o médico notou que a sua esposa deixara a porta da casa fechada.
No outro dia,
no mesmo local, Dr. João se encontra com o menino. Resolveu se aprofundar no
assunto que começara no dia anterior.
- Explica-me
tudo o que conversa com os poetas mortos.
O menino fala
que os poetas são, na maioria, tristes, sobretudo porque não obtiveram o
reconhecimento em vida e, agora, após a morte, foram esquecidos até pelos
amigos virtuais. Zezinho disse que eles se queixam pelo fato de não poderem
mais deixar suas emoções registradas em forma de versos.
- E o que
você faz quando eles ficam insistindo em se comunicar com você?
- Eu pego um
livro de Física e começo a explicar a Teoria da Relatividade para eles. Não dá
dez minutos e todos somem no além!
- Presta
atenção, você não vai mais fazer isso! – De agora em diante, quando eles
quiserem se comunicar com você, atenda-os, entendeu?
- Mas eu
tenho medo! – E, além disso – odeio poesias! – meu negócio é Física!
- Mas você
não quer se livrar deles? – pergunta espertamente o médico.
- Sim, quero!
- Então faça
isso e conseguirá esse intento.
PARTE III
E, daquele
dia em diante, a rotina de Zezinho mudou. Passava o dia ouvindo as declamações
dos poetas mortos.
Tinha dia que
só vinham trovadores. Outros dias, sonetistas. O pior dia para o menino era
quando apareciam os cordelistas, os contistas e os cronistas; ele ficava até
com dor de cabeça. Mas seguiu firme.
Depois de
ouvi-los, passava um relatório minucioso ao médico. Ele, por sua vez indicava
qual tipo de abordagem o menino deveria utilizar, de acordo com a gravidade do caso.
E assim
Zezinho foi se acostumando cada vez mais com aquela sua estranha habilidade. O
médico notou que, a cada dia que passava, ele ficava mais calmo, mais sereno.
O menino
relatava os progressos obtidos com os poetas mortos. Dizia que muitos deles não
mais apareciam para ele, e se dizia estar feliz por isso.
PARTE IV
Ao chegar
novamente em sua residência o médico notou que a porta estava fechada. Deu
então uma volta por trás dela e de lá viu uma cena que não gostou. A sua esposa
estava nos braços de um amigo. Notou que ela chorava. Nada entendeu.
Completamente decepcionado, saiu zanzando pelas ruas sem rumo definido.
Passaram-se
vários meses. Sempre quando ele voltava para casa encontrava a porta fechada.
Certo dia,
chegou no exato momento em que a sua esposa saía com o seu amigo. Quis correr
até aos dois, mas conteve-se.
Em mais um
dia de encontro com o menino, o médico decide fazer uma pergunta que queria
fazer a muito tempo.
- Zezinho, no
primeiro dia em que nos encontramos você me disse que eles, os poetas mortos,
só veem o querem ver e só ouvem o que querem ouvir.
- É isso
mesmo! - Alguns pensam que ainda estão
vivos!
Dr. João
ficou mais confuso ainda depois da explicação do menino.
Ao voltar
para a sua casa, desta vez encontrou a porta aberta.
Entrou e, só
ai, lhe veio à memória todo o ocorrido. Lembrou do paciente doido que lhe
aparecera de súbito, do tiro que levara e da sua esposa aos prantos. Concluiu,
sem que lhe restasse nenhuma dúvida, que estava morto.
Foi até o
quarto. Lá encontrou a esposa dormindo. Percebeu que ela estava em estado de
sonambulismo, pois falava alguma coisa. Conversou com ela. Disse que a amava,
mas que ela deveria seguir com a sua vida e esquecê-lo. Que estava bem e jamais
a esqueceria.
Ela, no seu
estado de sonolência, também lhe disse que o amava e que jamais o esqueceria.
No outro dia,
ao encontrar-se com o garoto, o médico, em lágrimas, apenas disse:
- Adeus!
ISAÍAS
GRESMÉS, 22/02/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Eu, desde já agradeço a você, nobre amigo(a), pela presença aqui. Fique à vontade quanto ao seu comentário.