O NATAL DE MARIA
Para a maioria das pessoas que
transitavam freneticamente por aquela rua de comércio era a contagem regressiva
para o começo da ceia de natal. Para Maria apenas mais um dia a ser vencido
duramente. Seus olhos esquadrinhavam cada centímetro do chão em busca de algo
para comer ou para vender como sucata. Seu corpo esquelético, encoberto por
trapos, não era percebido por ninguém.
Narrador
Num vai-e-vem frenético
De pessoas apressadas
No meio está Maria
Com suas roupas rasgadas
A sua mente só pensa
Em ter a fome sanada
Esquadrinhando o chão
Com sua vista sofrida
Na esperança de achar
Algum resto de comida
Mesmo não achando logo
Ela não se dá por vencida
Maria olha adiante
Alguém comendo um pastel
E sente a barriga roncar
E triste olha pro céu
“Meu Deus, por que é que eu vivo
De forma assim tão cruel?”
Ali, do outro lado da rua alguém
a observa atentamente. Maria de repente percebe e se assusta, pois ela já não
se lembrava da vez que alguém dirigia um olhar daquele em sua direção. Fez
menção de fugir, mas conteve-se diante do sorriso da enigmática figura. Sentiu
uma estranha sensação que não conseguia traduzir.
O estranho se aproxima, olha nos
olhos dela e nada diz. Maria já não sentia medo e estendeu sua mão em direção dele
no momento em que ele lhe solicitou.
Narrador
Com as mãos dadas ao estranho
Maria avança sorridente
Na direção em que o sol
Faz bocejos no poente
Já não se sentia só
Voltou a sentir-se gente
Nesse exato momento João
trafegava por ali, estressado pois aquela seria a sua última entrega na véspera
de natal. Já não via a hora de chegar em casa para finalmente participar da
grande ceia familiar.
João
“ Ai meu Deus, esse transito que não anda!
– Mas o que é isso! – meu Deus, sai da frente!
Nãoooooooooooooooo!”
Narrador
Maria morreu na hora
Com a batida do caminhão
Apesar de todos os esforços
Que se mostraram em vãos
Da equipe do SAMU
Que ali fazia plantão
“Morreu na contramão
atrapalhando o trânsito.”
Narrador
Do alto, Maria observava seu
corpo estendido na rua e nada entendia. Sentiu a pressão da mão do estranho
que, sorridente, a puxava na direção do sol poente. E juntos com o sol, ambos
sumiram no horizonte.
ISAÍAS GRESMÉS 17/12/2011
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