Foi durante
uma caçada que um fato inusitado chamou a atenção dos dois compadres. Estavam
passando numa capoeira, quando um redemoinho surgiu do nada levantando poeira e
as folhas secas em volta. Compadre
Gildo, na ânsia de comprovar um causo que a sua mãe lhe dizia
sempre na infância, virou para o compadre Justino e disse:
- Cumpadi
Justo, minha mãe me ensinou que quando um rodemoin aparece ansim do nada, que
isso é coisa do saci! E se a gente oiá por debaixo das perna, a gente vê o
lazarento – eu vou oiá!
- Nossinhora
cumpadi Girdo! Num faiz uma miséria dessa não home di Deus! Prestenção num
causo que aconteceu comigo há muito tempo.
Compadre
Justino, ainda meio assombrado com a visão do redemoinho, respira bem fundo e
começa a falar o ocorrido:
- Foi ansim
cumpadi Girdo: certo dia eu tava seguino um Carrero de tatu numa capoeira iguar
a essa... me acompanhava somente o meu cão Três Zói... De repente, do nada,
surge um redemoinho... Três Zói some e me deixa sozinho.
- E o cumpadi
num ficô cum medo não?
- Que nada
cumpadi Girdo! Da mesma forma que o sinhô, eu também havia escutado a minha mãe
falá que se o caboclo oiasse por debaixo das pernas, ia dá de cara com o saci.
Eu tava era querendo matá a minha curiosidade sô!
- E o sinhô
oiou?
- Uai, mas é
claro cumpadi!
- E o que
aconteceu adispois sô?
- Prestenção
(com os olhos esbugalhados mirando para o infinito, compadre Justino continua a
narrativa): ansim que o redemoinho se aprochegou de mim, eu me virei de costas
pra ele e, em seguida, oiei o troço por debaixo das perna.
- E ai
cumpadi, fala logo o que aconteceu?!
- Carma
cumpadi, que eu já chego lá sô! – Num deu nem tempo deu vê nada, pruque recebi
um baita dum pontapé no traseiro!
- E quem te
chutou cumpadi Justo?
- E num foi o
lazarento do saci?
- E foi é?
- Pois é
cumpadi. Ansim que eu recebi aquele pontapé me virei rápido pra vê quem tinha
feito aquela desfeita comigo e foi ai que eu me deparei com o danadim!
- E ai
cumpadi, fala logo!
- Ai eu
pensei cá com os meus juízo: “vou descontar essa desfeita, isso num vai ficá
ansim, ah, num vai não!”
- E o que o
sinhô feiz?
- Comecei a
prosear cum o mardito!
Compadre
Gildo já não agüentava de tanta ansiedade. Querendo saber como aquele causo
iria terminar ele perguntou ao Justino:
- E qual foi
o rumo da prosa?
- Eu, pra mor
di ganhar tempo, arresorvi preguntá pra ele o porquê dele ter me chutado a
bunda. Ele me arrespondeu que era para mor di eu deixá di ser inxirido!
- Vai veno...
Mas cumpadi, questionou compadre Gildo, pruquê o sinhô queria ganhar tempo com
o neguim perneta?
- Ara
cumpadi, era pra mor di dá uma lição nele uai!
- E qual era
o plano do sinhô?
- Era o
seguinte: minha mãe havia me ensinado que o saci, antes de sair para fazer
travessuras, abastece o seu cachimbo o suficiente para realizar suas
malinações, pruque adispois que o fumo acaba, também acaba o seu poder,
entendeu?
- Hummm! –
Sei... mas e daí, o que o sinhô feiz?
- Eu fiquei
esticando o papo ali. Pedi discurpa pra ele pelo meu inxirimento; falei que a
caça tava dificir... até que eu apercebi que o fumo do danado tinha acabado.
- E ai, o que aconteceu?
- Vai veno
cumpadi – ele que num é bobo nem nada, já tava se preparano pra ir pro além; ai
eu coloquei meu plano pra funcioná.
- E o que o
cumpadi tramou contra o mardito?
- Ele falou
que ia imbora pruquê havia acabado o seu fumo. Ai eu ofereci o meu fumo que eu
trazia na argibera já cortadim, pronto pra pitá.
- E ele
aceitô sua oferta?
- Mas não!
Craro! O mardito adora tirá vantage em tudo, parece inté político!
- Continua,
continua cumpadi Justo!
- Ai eu nem
deixei o mardito pensá muito. Peguei o cachimbo dele e, nesse momento, passava
uma comitiva lá na baixada. Eu dei um grito bem forte: “Diga ai coroné
Gresmelino!” – e lá de longe, o coroné acenô com o braço pra mim.
- E o coroné
viu o saci que tava do seu lado cumpadi?
- Craro que
não! O danado só se mostra pra quem ele qué uai! – Mas continuano: - ai eu
aproveitei que o danado se distraiu com a comitiva, intonce eu peguei
rapidamente um pouquim de porva e atuchei no fundo do cachimbo do lazarento! E
enchi o restante com meu fumo.
- Sério
cumpadi?!
- Sério uai!
- E adispois,
o que aconteceu?
- Ai o
mardito encostou o dedo no fumo e acendeu o pito. Deu uma baforadas e me
agradeceu pelo fumo. Inté me elogiou pela qualidade do tabaco, credita?
- Credito,
cumpadi, mas e ai?
- Ai que
adispois de um minuto, foi cachimbo e saci para os ares!
- Ele sumiu
cumpadi Justo?
- Sumiu
cumpadi Girdo, escafedeu-se! – E eu continuei minha caçada. Naquele dia eu
ainda consegui caçá um peba de uns sete quilos!
- Mas é
cumpadi?!
- E num foi!
- É por isso
que eu falo cumpadi, num olha pra redemoinho não viu... Ih,olha lá, vem um ali
ó!
- Vamo cumadi Justo!
- Vamo
cumpadi Girdo!
Pois é, essa
é apenas uma das muitas lendas que ouvi na infância. Eu nunca tive coragem de
tirar a prova dos nove. E você, caro leitor(a), já teve?
ISAÍAS
GRESMÉS, 15/04/2012